Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











terça-feira, janeiro 03, 2006

Campanha Eleitoral

Foi em 1991, durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas desse ano.
Calhou-me em sorte fazer a cobertura da campanha do PC. Foi um trabalho sem história, até um comício realizado no Porto onde Cunhal discursou.

Antes do comício começar, reparei numa senhora muito velhota que estava na 1ª fila, juntinho ao parapeito do palanque. Gostei daquela cara enrugada, dos olhos brilhantes de excitação. Pedi ao camera-man que estava comigo para gravar umas imagens da senhora. O comício decorreu normalmente. Eu estava colocado numa ponta do palanque, perto do público. No final, senti uma mão que me puxava a ponta das calças. Era a velhota... perguntou-me se era possível cumprimentar o “dr.Cunhal”… o Secretário-Geral ainda ali estava, de braço no ar, correspondendo às ovações do povo. Assim que pude, atravessei palanque e informei-o de que “aquela” senhora lhe queria falar. Cunhal olhou para a velhota e não resistiu. Atravessou o palanque, ajoelhou-se na beira e beijou a cara da senhora. Foi um momento de ternura único, aquilo a que chamamos "um bom momento de televisão". Avisado a tempo, o camera-man tinha gravado tudo.

Na montagem, abri a reportagem com a cara da velhota…”olhem bem para esta senhora, a noite de ontem foi a mais importante da vida dela…” escrevi. Depois dos discursos, a reportagem terminava com a cena atrás descrita… e a repetição do texto inicial, “olhem bem para esta senhora, ontem foi a noite mais importante da vida dela…”, e via-se Cunhal de joelhos e o beijo na cara lacrimante da velha…

No dia seguinte, uma carta do PC chegava à RTP, exigindo a substituição do repórter destacado para a cobertura da campanha do partido e, caso não fosse substituído, o PC não se responsabilizava pela minha segurança (sic)…

E porquê, tanta zanga? Porque o PC não suportava o culto da personalidade que o “seu” próprio povo praticava em relação ao camarada Cunhal.

2 comentários:

armando s. sousa disse...

Os comunistas sempre tiveram uma relação ambígua com o culto da personalidade, que praticavam na realidade, mas não admitiam, oficialmente.
Essa não responsabilização pela sua segurança, é uma medida, deveras democrática.
Votos de um excelente 2006.
Um abraço.

Isabela Figueiredo disse...

Caramba, este episódio foi espectacular. Arrepiou-me. A atitude da máquina partidária, nem por isso. Beijinhos, emoções, que é lá isso!

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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