Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











quarta-feira, abril 26, 2006

Sudão, 2000. Dorinda (2)

Na aldeia de Marial Lou, Dorinda dedicava especial atenção a dois dos seus empreendimentos: o internato de raparigas e a cooperativa de mulheres. Numa sociedade tradicionalista como aquela (tribo Dinka), estas duas iniciativas eram revolucionárias. Na escola interna, as meninas estavam a salvo de hábitos milenares de submissão feminina à vontade dos homens. Entre estes povos sudaneses, casar uma filha aos 10 ou 12 anos não é nenhuma raridade. Tudo depende da riqueza do pretendente… das dezenas de meninas que viviam no internato, Dorinda tinha a secreta esperança de conseguir “desviar” duas ou três, as mais capazes intelectualmente, para continuarem os estudos no Quénia. Esta era a verdadeira revolução que Dorinda tinha em marcha, a mudança de mentalidades. Na cooperativa de mulheres, tecia-se a mesma “intriga”… as cooperantes foram recrutadas entre as mais pobres e as mais exploradas mulheres da aldeia. Uma delas era, mesmo, uma prisioneira de guerra. Era uma mulher de etnia Nuér, uma mulher soldado, capturada em combate pelos Dinka. Ao longo dos anos de cativeiro, aquela mulher tinha sido violada em todos os sentidos. Quando Dorinda deu por ela, morria de fome e de pancada. Ela e um filho ainda bebé… na cooperativa, as mulheres faziam roupa, com tecidos que Dorinda pedinchava no Quénia. Vendiam a roupa e o dinheiro dava-lhes não só capacidade de sobrevivência, como as tornava independentes dos homens. Muitas deixaram de ser vítimas da brutalidade com que habitualmente eram tratadas. Algumas até acabaram por expulsar os agressores de casa. Completamente revolucionário.

Dorinda Cunha está ao centro, na foto, entre mim e o Odácir Júnior, o repórter de imagem que trabalhou comigo no sul do Sudão. O outro branco é o padre John Pax, comboniano norte-americano.

4 comentários:

escrevi disse...

Fico sempre comovida quando tomo conhecimento destas histórias de vida.
Que mulher corajosa e humana.
Conta mais...
São pessoas destas que nos permitem alimentar o sonho de um mundo melhor.

Um beijo

Lâmina d'Água & Silêncio disse...

Vim te ler...

Gosto de tua janela!!! Aprendo e viajo, também, nela. É como se eu lesse trechos de um bom livro, onde o fato de o tê-lo deixado fechado por algum tempo, não diminui em nada o prazer da retomada da leitura.

E vim também, te convidar para dares uma passadinha em um novo espaço, que divido agora com Desambientado e outras pessoas que estamos convidando a participar, vez ou outra. Ontem foi o Paulo Ribeiro que postou. Quando puderes, passe por lá!!! O endereço é:

http://trilhaseterras.blogspot.com

Beijos!!!
ò,ó

mch disse...

Viva
Curiosamente estava ler o bloga-se quando recebi sua mensagem sobre o meu post de Savimbi. Tem toda a razão. Mas também quis chamar a atenção para o Eric Margolis que é honestíssimo e um repórter de mão cheia.
Vou aprendendo coisas de África consigo.
abraço

Isabela Figueiredo disse...

Já disse que adoro a Dorinda, mas repito.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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